Técnicas para a pesca e preparo de traíras. Off topic. Fora do contexto do Popa. Excelente trabalho de Sergio Schroeder.

As traíras são os predadores de topo da cadeia dos açudes e rios do Rio Grande. Principalmente na região leste, onde não correm o Uruguai e seus afluentes. Na região dos brejos de Camaquã, o jacaré-papo-amarelo é seu predador, mas na região de Encruzilhada não existem jacarés. Então, por aqui praticamente nenhum animal se alimenta das traíras, exceção feita às lontras e aos homens.
Estudos mostraram que as traíras crescem cerca de quatrocentos gramas por ano, e convertem os alimentos na taxa de dez para um, ou seja, comem cerca de quatro quilos de lambarizinhos, tambiquinhos, rãzinhas, patinhos, marrequinhas e outros inhos por ano, cada uma. Podem atingir até cinco quilos na idade adulta, mas as mais encontradas, pelo menos nesta região, pesam em torno de um quilo. Devem estar com idade de dois para três anos e são muito agressivas.
A melhor hora de pescar traíras é ao por do sol. Bem na hora dos mosquitos. Elas saem de seus esconderijos e caçam. Podem ser pescadas com iscas artificiais, caniços sofisticados para pesca esportiva e redes. Mas a melhor maneira de pescar traíras é utilizando linhas de mão, zero quarenta ou zero cinqüenta, uma bóia de isopor, uma chumbada leve para fazer descer o anzol, um anzol grande e um empate metálico, que pode ser até um arame dobrado nas pontas para amarrar na linha e prender o anzol. É preciso utilizar este metal porque elas mordem as linhas e escapam muito facilmente.
Então, utilizando como isca um lambari ou um tambica, arremessa-se a linha a uns trinta metros da margem dos açudes e se vem puxando ela de volta, aos trancos. Com isso, o lambari se mexe e elas pensam que está vivo. Quando a traíra percebe o peixe ela tem comportamentos distintos, dependendo do dia, do tamanho da traíra e da habilidade do pescador. Algumas mordem de sopetão e levam anzol linha e bóia para o fundo. Outras, namoram a isca, ficam “lambendo” o lambari. Aí, é preciso paciência e astúcia para provocar o peixe. Como são predadores territoriais, no caso de se perder uma “puxada” de traíra, pode-se arremessar a linha no mesmo local que ela irá novamente morder a isca.
Quando fisgada, luta muito. São peixes fortes e cheios de vitalidade. É preciso puxar firme até que saia da água, porque durante todo o trajeto é possível que roa a linha ou que cuspa o anzol. Uma vez fora dágua, é aconselhável uma paulada na cabeça para evitar o risco de uma mordida.
Embora carnívoros, são peixes de excelente carne, rendendo até sessenta por cento de seu peso em filé. A melhor maneira de se comer traíra é fritando ela. Mas, primeiro, é preciso o preparo.
Limpa-se o peixe, removendo as escamas. Para retirar as entranhas, é aconselhável abrir a barriga pelo lado, pois o filé da “barrigueira” não possui espinhos, e se for aberta a barriga pelo meio, o resultado será dois filés de barrigueira pequenos. Tira-se fora a cabeça, as nadadeiras e é interessante utilizar uma escova para limpar bem o couro das traíras. Depois de limpa, se faz uma incisão pelas costas do peixe, produzindo dois filés. Estes filés ainda possuem espinhos. Então, virando para baixo o couro, se fazem cortes transversais, o mais próximo possível uns dos outros. Ao proceder-se estes cortes, se ouvem os espinhos sendo cortados. Transversais a eles, se fazem mais alguns cortes. É importante que os cortes sejam profundos no filé sem, no entanto, cortar o couro.
O tempero é simples, sal e limão. Para fritar, o melhor é dar uma passadinha nos filés em farinha de madioca. Esquenta-se bem o óleo para que fiquem bem crocantes. Para acompanhar, novamente limão, arroz branco e salada.
O melhor lugar para comer traíra frita é na beira dos açudes ou dos rios, mas se houver muito mosquito, aceita-se levar a especiaria até “as casas”. Quanto menor o espaço de tempo entre a pesca e o preparo, melhor o sabor. Embora possam ser congelados, é mais aconselhável pescar-se somente a quantidade necessária para a refeição, deixando as outras traíras crescendo para outro dia.
Todo este trabalho é feito no verão. Todo este trabalho demanda esforço. As pessoas costumam suar muito e cansar durante o preparo destas especiarias. Por isso, a prudência avisa que, antes de se pensar em pescar traíras e come-las, que se ponham muitas cervejas na geladeira. Caso a opção seja o preparo nos açudes, aconselha-se o prévio preparo de gelo e a condução de muitas cervejas num isopor.
Por fim, aconselha-se que margens de açudes, de rios, estradas e acampamentos sejam mantidos mais limpos o possível. Não se deve jogar lixo nestes lugares. São os últimos refúgios de nossa ligação com a ancestralidade. A pesca de traíras é uma atividade quase pré-histórica e, se feita nas condições descritas aqui, traz uma ótima ligação entre as pessoas de hoje com aquilo que, em algum momento da história, foram ou poderiam ter sido.

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