Dione Noni Poisl
No final de janeiro de 2013 estivemos navegando pelas águas claras e mornas da Lagoa do Casamento.
Atracados na Ilha Grande, numa pequenina enseada de areias brancas, rodeada por juncos, tendo ao fundo figueiras centenárias fazendo belo cenário.
Verdadeiro descanso para o corpo e mente, longe do ruído urbano, meu marido e eu em stand by, economizando energias, com os celulares desligados porque, afortunadamente como descobrimos depois, ele tinha esquecido o carregador. Já tínhamos decidido não ter TV a bordo. Apenas um rádio com USB para um pendrive com as nossas músicas favoritas. As únicas vozes dissonantes ali eram as do canal 16 no rádio do barco que fica ligado para emergências.
Nosso Lady Blue, de 29 pés, que meu marido vem sempre melhorando ao longo de 8 anos, tem bolina retrátil o que nos permite chegar bem pertinho das margens. Kurylenko já andava por aquelas águas há décadas. Eu, com ele, iniciei como marinheira há 20 anos e juntos vamos descobrindo um lugarzinho mais abrigado que o outro, ora na Lagoa dos Patos, ora na lagoa do Casamento. O abrigo dos ventos que sempre rondam na nossa lagoa foi uma das primeiras lições que tive. Costumávamos pescar nossos peixes para o almoço que foram escasseando muito nos últimos anos. Já foi comum acompanhar com o barco um cardume de tainhas que saltavam da água refletindo seu dorso prateado. Hoje, ao avistar alguma, gritamos de alegria pueril, porque é raridade.
Nos últimos tempos só nos restava comprar peixes de alguns pescadores que sempre nos cobraram muito mais do que se paga no Mercado Público de Porto Alegre. Conhecemos muitos barcos de pescadores pelas duas lagoas. E nos causou surpresa quando, no verão do ano passado a Lagoa estava repleta de barcos pescando no período chamado de “defeso” quando acontece a piracema dos peixes (subida deles pelos rios e lagoas para desovar). Como um dever ecológico que a mídia nos impõe presentemente, ligamos para a Brigada alertando o fato que foi sumariamente ignorado por ela.
Por isso, talvez, causou-nos surpresa a abordagem da Policia Ambiental, um “braço” da nossa Brigada, que chegou com 5 ocupantes em duas embarcações motorizadas, naqueles confins da Ilha Grande. Eu estava sozinha no barco enquanto meu marido fazia uma caminhada pela mata da ilha, tirando fotos.
Fico procurando palavras adequadas para dar o tom da conversa. Mas me soava muito arrogante. Encostados ao lado do nosso veleiro, segurando o seu barco no guarda-mancebo do nosso, perguntaram quantas pessoas havia no barco enquanto um deles fazia menção de subir a bordo. Quando avistou meu marido o policial recuou. Kurylenko veio efusivamente cumprimentando os policiais e parabenizando-os por estarem, finalmente, fazendo uma vistoria pela Lagoa. Mas eles, num tom de “poucos amigos”, sem disposição para muita conversa, disseram que viram o nosso mastro de longe e, como são os veleiros os que mais caçam e pescam… Veleiros? disse eu surpresa, pescando e caçando? Uma interrogação pairou no ar, e incrédula os fitei dizendo que éramos de um clube náutico, de Porto Alegre, Veleiros do Sul, e que não era esse o objetivo dos velejadores do clube. Aha, respondeu aquele que recuou de subir no nosso barco “caçam capivaras”. Perguntei de onde tinham vindo, se de Porto Alegre, Palmares. Como se fosse uma pergunta proibida, fizeram-se de surdos. Insisti, e um deles me disse, num resmungo, num sussurro, que tinham vindo de Tramandaí. Que pertenciam ao destacamento de Osório.
Um deles, com um rádio na mão, deu tipo uma ordem “é só um casal, podemos abortar a inspeção”. Antes de partirem, meu marido perguntou sobre um assentamento indígena que instalaram na Ilha, já que tínhamos encontrado um índio um dia antes ali naquele lugar.
Responderam que os índios TUDO podiam: caçar, pescar, derrubar árvores. Pergunto cá comigo: e se derrubam as centenárias figueiras? E podem caçar mesmo animais protegidos e em extinção? E pescar na piracema? Como lendo meus pensamentos o policial disse: Tudo podem, porque eles agora tem a proteção ambiental já que foram um dia expulsos de suas terras pelo branco que aqui chegou. E tão rápido como chegaram, partiram.
Antes de regressar, velejando pela lagoa avistamos 3 barcos pescando, uma rede enorme na água…
É isso que acontece quando se dá poder a alguém totalmente incapaz para a função…
Temos muito o que copiar de outras paragens, inclusive de nações muito mais pobres que o Brasil (vide Uruguai), em termos de atitudes de autoridades, e de respeito para com o cidadão ordeiro…. Aqui só existem as “ÓTORIDADES”…
Pessoal, vejo que entenderam bem o propósito de meu texto.
Dione
Diversos relatos deste tipo são comuns. Trata-se de pessoal despreparado e sem sequer saber suas funções. Sugiro que seja feita ocorrência na corregedoria da BM. BV
É … tudo isso tem a ver com a ideia de que os velejadores pertencem às “elites”. Esses policiais nunca se perguntaram, e por isso nunca vão saber, o quanto alguém teve que trabalhar para adquirir um veleiro que, muitas vezes, custou menos do que um carro de luxo, desses que muitos dos seus próprios correligionários tem.
Parabens pela narrativa. Tambem, por mais de uma vez fui vitima da truculencia desses agentes. Certamente lhes foi concedido muito poder e forca e pouca instrucao. Nao conhecem velejadores. Nem possuem a minima ideia de que somos parceiros na preservacao e nao inimigos.(Desculpe pelo teclado inadequado que estou utilizando)
Tempos difíceis esses dias atuais em que as leis parecem não seguir a lógica e onde o ser humano perdeu o senso de civilidade.
Tivemos uma experiência parecida juntando lixo na Praia do Sítio, para trazer para o Veleiros do Sul. Quando tínhamos uns 6 sacos de 100 l cheios de plástico, etc fomos abordados pela Patrulha ambiental do IBAMA, grosseiramente, com revólveres à mostra e obrigados a sair. Ficamos chateados e deixamos o lixo para eles trazerem. O que duvido que fizeram.